5.12.08

ensaio sobre a cegueira





baseado num livro da autoria do prémio nobel da literatura josé saramago, este filme retrata uma epidemia que leva uma cidade inteira à total cegueira. de notar que a preferência à palavra "cegueira" e não à palavra "escuridão" não é de forma alguma naive, pois não se trata duma cegueira onde a ausência do sentido da visão seja sinónimo da ausência de percepcionar a luz, como quem diz que só se vê negro, mas sim a apreensão única e exclusiva da luz, ou seja, uma cegueira onde a única coisa que se vê é o branco. não vos vou contar a acção propriamente dita segundo a qual o filme se desenvolve, mas irei antes expressar a minha interpretação do filme.
segundo a minha perspectiva de compreender o objectivo do filme, a epidemia no qual toda uma população padece, não é de forma alguma a cegueira, mas sim a visão, a visão que nós tanto precisamos, a visão em que nós tanto confiamos. este sentido que absorve o que nos rodeia à velocidade da luz é, estranhamente, o sentido que mais nos ilude, que mais nos engana, que mais nos cega, isto no carácter humano e racional. o uso excessivo deste sentido é de certa forma prejudicial à percepção do que nos rodeia, torna-nos preconceituosos, fúteis, é como uma embriaguez constante, que quando saímos desse estado de pura ignorância a ressaca é pior que umas meras enxaquecas, é o retorno a uma consciência entorpecida, é a cura da cegueira profunda que nos impedia de ver a realidade, de ver como aquele senhor que dorme na soleira da porta é uma pessoa de grande riqueza intelectual e humana, uma pessoa que apesar de ter cometido um erro na vida, é ignorado, é passado despercebido, é-nos invisível. a cegueira branca não é uma maldição, é uma bênção. é uma oportunidade de voltar a aprender a ver, como que uma nova luz se acendesse, como que um momento de iluminação, de purificação. o facto da cegueira ser contagiosa e completamente incontrolável, infectando todas as pessoas, simboliza que todos sofriam da mesma cegueira humana, que todos precisavam duma cura, que o Homem precisa duma cura. o filme também nos mostra que a visão atrofia todos os outros sentidos, e que as pessoas que não se escoram nos seus olhos, vêem coisas que mais ninguém se apercebe, vêem além de nós. mas atenção, a culpa não é inteiramente dos olhos, mas é também de quem os educa, de quem permite que a interpretação da reflexão da luz sobre superfícies transmitidas ao cérebro, seja feita de forma incorrecta e ignorante. somos nós e a sociedade snobe que nos educa e do qual fazemos parte, que é a grande culpada deste fenómeno agonizante e desconcertante. é-nos incutido que só o que é visualmente perfeito é bom, é saudável, é prestável, mas isto não passam de falácias, não passam de mentiras estúpidas e até infantis. apenas o pensamento de que a perfeição existe é absurdo. a perfeição não existe, por muito grande que seja o desejo de a atingir. é impossível, e é bom que seja. a vontade e o desejo de atingir a perfeição é o que nos faz mover. se conseguíssemos chegar à perfeição o que iríamos fazer? melhorar a perfeição? isso até por definição é impossível. mas voltando ao tema e acabando com o devaneio, a moral é que a visão nos pode, de facto, iludir.  e que devemos julgar a realidade, não apenas com um sentido, mas sim com todos, pois é para isso que os temos.

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